sexta-feira, 6 de maio de 2011

Chega mais Preto Zezé...

Esse é o cara, do Ceará. Tenho o maior prazer de apresentar a vocês o meu amigo Zezé, um cara que conheci a alguns anos e venho acompanhando sua trajetória e sua militância , um jovem que tem como principal característica, transitar.

Chega mais Preto Zezé...



1.COMO VOCÊ VÊ O MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL?

Um movimento que teve e tem sua importância, foi minha escola, quando adolescente. No momento penso que tem que seguir linha própria e sair da sombra dos partidos políticos, se movimentar mais a partir de pautas prioritariamente da população negra e não do que ditam ser a nossa pauta. Existem muitas reflexões sobre a falta de inserção desses movimentos onde os pretos estão (nas favelas) sobre sua relação com as especificidades da questão do conflito racial brasileiro, que construiu no imaginário dos próprios pretos barreiras culturais fortíssimas, que fazem com que carreguemos o estigma e o complexo da recente escravidão. Outro fator que julgo importante é o diálogo com o modelo de sociedade atual, pois alguns pretos já se encontram inclusos na sociedade capitalista, sendo assim é preciso incorporar a trajetória, a referência e o capital acumulado da luta desses indivíduos que furaram o bloqueio dos homens brancos do asfalto, e ainda conseguiram pautar causas nossas sem perder a referência, mas também sem transformar isso em pretexto para o tempo todo ficar fazendo disso sua bandeira única!

2. COMO E PORQUE ENTROU NO HIP HOP E COMO VÊ O HIP HOP HOJE?

Esbarrei com o rap no início da década de 90, de lá para Cá, o rap me trouxe muito de autoconhecimento, identidade e fome de conhecimento. Passado alguns anos, penso que do ponto- de- vista de nos oferecer outras janelas de saída, o rap deixa a desejar, o quadro dos principais grupos confirma o que digo, muitos deles sem saber o que falar, o que fazer, nem ter como construir sua sobrevivência a partir do rap. Pior ainda num mercado em crise, mas que ao mesmo tempo o rap cresce, não como produto, mas como uma espécie de terapia, isso, RAPTERAPIA, onde milhares de jovens criam suas letras, montam suas poesias e produzem suas músicas e leituras de mundo. Isso para mim é o que ainda pode ajudar a uma nova geração para se renovar, ou partimos para isso ou do contrario estaremos reproduzindo um câncer hip hopista, onde centenas desses jovens viverão apensas no seu valoroso, legitimo, mas, no entanto socialmente sem importância mundo hip hopista. Isso pra mim é retrocesso. E aí o Hip Hop ao invés de libertar, aprisiona essa juventude nessa loucura sem conseqüência e resultados.

3. QUAL A SUA RELAÇÃO COM O GOVERNO BRASILIEIRO E QUAIS AÇÕES FAZ COM ELE?

Já fiz parte de alguns conselhos e grupos de trabalho, depois do evento com o presidente lula, em março de 2003, fiquei muito marcado do tamanho das possibilidades e responsabilidades que se apresentaram aquela época. Pensei, agora é hora de ver quem tem discurso e quem tem capacidade de transformar esse discurso em ação prática. Foi um marco histórico, podemos dividir a história política do hip hop brasileiro em antes e depois daquele encontro! Daí pra Cá, eu vim fazendo parte de vários grupos de trabalhos, duas gestões do conselho nacional de juventude, agora no conselho consultivo do MERCOSUL, quem diria, os pretos da favela, que viraram linha de frente, discutindo economia, MERCOSUL, importação, relações exteriores. Hoje executamos projetos com vários ministérios, como da cultura, direitos humanos, saúde e ministério da justiça, todos eles nas áreas invisíveis e com os homens e mulheres jovens invisibilizados social e politicamente, para mim é uma conquista, pois mostra que ao mesmo tempo em que não ficamos aparelhados, também não nos isolamos e continuamos pautando governos com nossas demandas sociais e políticas. Aprendi muito com essa relação.

4. COMO É SUA RELAÇÃO COM SUA FAMÍLIA?

Nos últimos 10 anos, muito boa, apesar de alguns esbarros, mas hoje vejo como era difícil. Eles me suportaram com aquela loucura e ideia que eu tinha do Hip Hop, eles não entendiam, não viam consequência, resultados, mas respeitavam à distância. Sempre me alertando para eu fazer a minha revolução de vida, antes de querer mudar a vida alheia, hoje isso para mim é mais compreensível. Antes eu tava cego, meio perdido, cheio de revolta e mágoa, mas no fundo o que eu procurava era uma caminho menos tumultuado e tortuoso até a porta das oportunidades, chegando lá eu dava meu jeito de aproveitar, e isso ocorreu, hoje na família e na comunidade acabei tendo um futuro diferente de alguns irmãos e amigos, não estou falando de discurso ou ideologia, estou falando da mudança qualitativa que conquistei para minha vida e assim irradiando para todos.

5. COMO SURGIU O PROJETO DO CRACK?

Quando Celso Athayde e Mv Bill vieram gravar o documentário "Falcão - Meninos do tráfico" aqui no Ceará, eu fiquei pensando na importância de poder penetrar no subterrâneo da invisibilidade e poder trazer o depoimento sem retoques ou intermediários dos que passam pelo problema. Daí a minha primeira ideia era fazer um vídeo clipe, depois vi que o problema era grave, onde até o tráfico estava batendo cabeça, pois ao mesmo tempo em que tinha mais lucro, logo também tinha mais stress. Juntei algumas imagens e ao visitar um CAPS AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas), a convite de uma assistente social, vi que a coisa era bem pior. Depois, como um dos problemas era a falta de informação, fui à busca de informações no setor público. Como eles também não tinham dados, fiquei mais instigado ainda, a me inspirar no Falcão e seguir um caminho semelhante. Como não tinha dados, teria que gerar os meus, imaginem que os "nóias" só iam cair em duas áreas: na saúde, quando estariam beirando a morte pelas doenças e seqüelas da pedra ou nas mãos da policia, quando se dariam mal quando fossem cometer pequenos furtos. Daí fui um dia para um palestra na academia de policia, e conheci um Capitão que hoje é Major, que mudou de novo minha cabeça e logo o convidei para ser mais um debatedor criador desse projeto, junto com a assistência social. Buscamos no projeto, trazer um olhar para além das clínicas e da polícia, e conceituamos o que chamamos de DANOS SOCIAIS DO CRACK, que são as múltiplas violências e danos cometidos contra e pelos "nóias" em decorrência do uso abusivo da substância.


6. VOCÊ SEMPRE FOI UM CRÍTICO FERRENHO DA CUFA, PORQUE HOJE FAZ PARTE DELA?

Porque antes, de maneira mesmo que inconsciente, eu queria um espaço e como não tinha entendimento eu tinha muita revolta, não consegui enxergar outras formas de luta e buscas de superar as dificuldades. Eu era o crítico numero 1 do Celso Athayde e sua CUFA. Hoje eu entendo que a CUFA é o sentimento mais forte que já senti. A sensação de poder mais expressiva que já compartilhei e acima de tudo, a conquista individual e coletiva mais marcante que já tive na vida. Hoje a CUFA é mais que um trabalho para mim, que vivo ($) de CUFA. Esse trabalho hoje se converteu em realização e as conquistas em diversão. Esse é o sentimento CUFA - ser dono e protagonista do próprio destino, rompendo de vez a lógica que sempre nos impõe ser coadjuvante da nossa própria historia.

7. NÃO ACHA CONTRADITÓRIO SER DO HIP HOP E TER APOIO DA REDE GLOBO?

Não acho, pelo contrário acho que alcançamos um patamar elevadíssimo. Não estamos falando de um programa de TV ou de uma aparição no telejornal mais assistido, estamos falando que uns pretinhos até então invisíveis, hoje se relacionam social, financeira e politicamente com umas das maiores redes de comunicação do mundo. Veja bem, não estou falando de atrelamento nem de subserviência, estou falando de sociedade, de negócios de construção e mudança de outros paradigmas na relação comunicação e movimento social dentro dos limites e regras de uma sociedade regida por um capitalismo tardio, que ainda sequer, resolveu questões básicas do mundo capitalista moderno como reforma agrária, por exemplo! Ser apoiado pela Rede Globo de Televisão não me faz cair na armadilha "hiphopista" de achar que a Globo se rendeu, pelo contrário, me faz crer que ela viu mais que alguns malucos de calça larga e bonés de grandes abas, ela viu em nós interesses vários na relação e nós naturalmente temos que usufruir disso, sem traumas, dramas ou angústias. Estamos diante do nosso maior desafio, fazer a revolução ser televisionada, dialogar sem perder o foco, transitar sem perder o rumo da bússola social da nossa origem e dividir riquezas nas suas mais variadas formas, fazendo renascer um outro Brasil, um Brasil que ainda está para acertar seus ponteiros, mas nesses pequenos momento e nessas singelas ações é que a CUFA desenvolve com seus parceiros um Brasil recém invisivel requalificado, preparado para dialogar e traduzir o dialeto do homem branco do asfalto!

8. NÃO ACHA QUE ESTÁ VENDIDO?

Antes eu até que ficava nesse drama, mas vamos nós, estar vendido numa relação comercial é algo positivo, não ser sequer citado ou comentado seria preocupante. Ser ignorando numa relação social mais ainda. Hoje quando alguns - ainda mesmo que de modo brincalhão - comentam sobre minha vendição. Eu até concordo com eles, ainda bem que alguns de nós ainda pode ser vendido e a um bom preço, ainda bem que podemos fazer bons e sustentáveis negócios, triste deve ser ficar fora de todo o jogo da divisão das alegrias, privatizando para si a depressão e as tragédias. Desses dois últimos caminhos eu vivi mais da metade dos meus 34 anos que se avizinham, sei o que é isso, como muitos na CUFA. Somos a nossa própria historia, referência de nós mesmos, quem nos tacha assim hoje, amanha poderá estar em nossas festas, em nossos eventos, legitimando nossa ações, e daí teremos que recebê-los e entender como eu um dia fui assim, eles também tem o mesmo direito de ser, resta-nos apontar caminhos outros para ver se o conceito muda e a mudança ocorre. Porem, não é algo tão simples assim.

9. VOCÊ ACREDITA NO DISCURSO DOS MCS? ACHA QUE VAMOS REALMENTE FAZER A REVOLUÇÃO?

No momento vejo muitos discursos, até bem elaborados, mas não acredito que mudanças virão somente com os discursos. A palavra dos Mcs tem limite, e é quando a base acaba, quando a luz apaga, vem a vida real, ai tem que rimar a dificuldade com a felicidade, a angústia e depressão com a oportunidade, transformar o estigma em carisma. Na verdade o rap é a vida real, nela não dá para disfarçar, fazer de conta, criar personagem, ou se vai para ação prática, ou tudo vai virar uma grande masturbação (sem gozo) de clichês do tipo: eu canto mais, eu sou isso, sou aquilo e na verdade por traz às vezes até de lindos versos, está uma realidade dura e forte, alguns podem até achar glamurosa essa realidade, mas duvido muito que queiram seus filhos nesse caminho!

10. QUAL A SUA MELHOR CONQUISTA NO HIP HOP?

O autodescobrimento e autocrítica para saber que ele se superou e precisa ser refeito e resignificado para poder dar respostas às demandas que pulam em nossa frente toda hora. Saber abrir outras janelas, cavar outros espaços, assim quem sabe o HH poderá ser uma ferramenta de transformação mais eficaz, até mais do que foi há tempos atrás!


11. QUEM SÃO SUAS REFERÊNCIAS?

Eu me constitui na minha referência, mas não posso deixar de falar de um cara que, para mim, se dispôs a fazer parte de um projeto coletivo pela caminhada lado-a-lado da rima com as conquistas da vida real. A mudança da sua vida e dos seus é mais que uma referência. Mais que um nome, o homem é um revolucionário. Estou falando do MV BILL.


12. VOCÊ TEM FEITO REUNIÕES COM PAULO SKAF, ANDRÉ SKAF E MUITOS OUTROS EMPRESÁRIOS. O QUE ISSO SIGNIFICA EXATAMENTE?

A confirmação de que estamos no rumo certo. Quando entro numa FIESP e discorremos sobre outros valores para um país que vai para a 5ª economia do mundo e que muitos até se espantam com nosso grau de entendimento e postura nessas reuniões, tenho a plena certeza que o caminho para a revolução se dá ali, em cada palavra, a cada minuto, mas acima de tudo, de cada conquista. Não há revolução sem conquistas, sem metas alcançadas, sem ônus pela escolhas, mas também sem bônus pelo trabalho. Pra mim significa que o nossos projeto de poder estão a todo vapor, afinal, "ocupar vários espaços é nosso plano de paz, queremos muito, mas muito mais"

13. O QUE É A CUFA PRA VOCÊ?

Minha vida, meu sangue, minha religião, meu time mais querido, minha família mais completa, meu ringue, minha arena, meu pódium e minha vitrine onde exibimos os troféus das caminhadas e lutas que travamos no front da selva.


14. COMO VOCÊ VÊ O MOVIMENTO SOCIAL?

Necessário, porem é necessário repensar essas pautas e discursos... Chega de discutir pobreza, chegou à hora de pensar em estratégias de distribuição de riquezas, afinal seremos a 5ª economia do planeta, então temos que fazer parte da construção de novos valores e da construção das estratégias de inclusão justa e sustentável.


15. POR QUAIS PARTIDOS PASSOU E O QUE CADA UM REPRESENTOU?

Fui influenciado e formado por um racha do PRO- Partido da Revolução Operária, de onde saiu a primeira prefeita do PT do país. Maria Luiza Fontenele. Depois fui para o CGB, coletivo Gregório Bezerra, um agrupamento do movimento operário. Depois apresentei o Hip Hop cearense ao PT- Partidos dos Trabalhadores, onde passei grande parte da minha formação militante, depois ajudei a fundar o PSTU, e mais recentemente o PSOL, hoje estou sem partido, cada um deles representou um momento importante e de aprendizado que me fazem um preto melhor e um lutador mais lúcido!


16. QUAIS SÃO NO SEU PONTO- DE- VISTA, OS 3 DEFEITOS DAS SEGUINTES PESSOAS?

JOSÉ SERRA Ter pouco trânsito político no eleitorado do nordeste, está muito ligado às privatizações e falta de base social popular! DILMA ROUSSEF Mais popularidade nas camadas mais populares do paÍs, perceber que o desenvolvimento se faz com a combinação de natureza, trabalho e ser humano, ainda muito tímida! MARINA SILVA Vir de um lugar sem peso político no cenário nacional, contradições da sua trajetória pessoal, social e política, devido ao partido e aliança eleitorais de agora, falta de agressividade!


17. QUEM É O LULA?

Ex-invisível, referência durante muitos anos para a história dos invisibilizados desse país!


18. O QUE ACHA DAS COTAS NAS UNIVERSIDADES?

Apesar de ainda tímidas, necessárias. Pra colocar o debate das reparações dos negros nesse país, isso não é esmola, o país nos deve!


19. QUEM SÃO SEUS ÍDOLOS NO SEU ESTADO?

Luizianne Lins, pela juventude, seriedade e coragem! Rosa da Fonseca e Maria Luiza Fontenele, pela sinceridade e coerência. Ciro Gomes e Tasso Jereissati pela representatividade e peso que furou o bloqueio do sul e sudeste! Os amigos Dj Doido, Foca, Del e Cleitin da Caucaia, por vir de onde vieram e chegar onde estão! Cid Gomes, pela coragem de dialogar e pela abnegação ao trabalho e a vontade de acertar!

20. EXISTE RIVALIDADE ENTRE OS ESTADOS DO NORDESTE OU É MITO?

Lógico que existe, cada um buscando fortalecer o seu lugar, o seu estado na grande roda do desenvolvimento!


21. COMO VOCÊ VÊ A PARTICIPAÇÃO DE UM GRUPO DE RAP GAY, CUJO OBJETIVO É DEMARCAR ESPAÇO?

Coerência com a história do rap, de luta por justiça, igualdade e direitos. O mundo vai mudando os seus lutadores e suas formas de lutar, mas a luta sempre é a mesma, todos por um lugar ao sol.

22. PORQUE O RAP FICOU COM A FAMA DE NÃO FALAR COM A TELEVISÃO? ISSO É VERDADE OU PURO MARKETING?

Muito marketing. em parte por alguns que não tem o que falar, outra parte nunca foi chamada e a maioria que foi se perdeu em suas próprias palavras. Daí foi melhor passar uma imagem de que a televisão não presta, mas contraditoriamente os grupos produzem clipes, acredito eu que não é para assistiram em seus DVDs em casa. Eu particularmente achei legal aquele rapper lá de minas, o renegado, estar num programa de música, reflete que alguns alcançaram o patamar, superando aquele estigma de rap como música ruim, outro fator é o diálogo que esse jovem promoveu da cultura do rap com os outros gêneros, coisa difícil no Brasil, e por final, o respeito e credibilidade que o rap recebe perante a sociedade, pois falar entre nós é fácil, complexo é dialogar com o dileto, as regras e no mundo do homem branco do asfalto. Mas grande parte dos rappers no Brasil vive como aqueles jogadores de futebol do subúrbio que compram revista placar e sonham em estar na capa, vivem na sua ignorância, no seu mundo à parte, cheio de ilusões, enquanto a vida real dá-lhe de goleada!

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