sexta-feira, 6 de maio de 2011

Tony Reis

Fala galera do Porradão!

Porradão de 20 essa semana traz Tony Reis, presidente da organização LGBT brasileiro, professor e especialista em sexualidade humana e dinâmica de grupo. Com vocês Tony Reis. 


01 - Conte um pouco da sua origem, sua história. 
Eu nasci em Coronel Vivida, uma cidade no interior do Paraná. Sou filho de pessoas muito humildes. Meu pai se suicidou quando eu tinha um ano de idade e minha mãe criou uma família de seis irmãos. Tive a oportunidade de estudar sempre. Formei-me em Letras pela Universidade Federal do Paraná. Sou especialista em sexualidade humana, tenho mestrado em ética e sexualidade e estou fazendo doutorado em educação.


02. Quando e como você se descobriu gay? E qual foi a reação de seus pais?  

Desde os cincos anos eu percebia que gostava dos meninos sexualmente e convivia com as meninas para brincar. Naquela época foi muito natural para mim, não era um problema. Mas aos quatorze anos, senti realmente que eu era diferente e falei para minha mãe "olha, eu sou pecador, doente, sem-vergonha, e eu não quero isso para mim porque não é certo". E minha mãe, de uma forma muito sensível para a época, me levou para um médico em Pato Branco, para que eu me curasse. Claro que o médico não me curou, até porque a homossexualidade não é doença. Procurei psicólogo, procurei padre. Fiz muitas novenas para Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Fui para o centro de umbanda, o pai de santo falou que eu tinha uma pomba gira desgovernada. Fiz muita promessa, muita simpatia. Pensei no suicídio em torno de três vezes, mas nunca vim a concretizar, até pelo apoio da minha família em querer me ajudar. Depois vim para Curitiba e me enturmei. Depois de formado, tive a oportunidade de morar quatro anos na Europa onde encontrei o grande amor da minha vida, e já vivo com ele há 20 anos. 



03. Você não acha normal que a sociedade não ache normal ver dois homens se beijando na rua? 

Acho que a sociedade muitas vezes é hipócrita. Existem homossexuais, tanto homens quanto mulheres. Somos dez por cento da população, e é uma realidade que existe. Acho anormal uma pessoa espancando outra pessoa. Agora, uma pessoa dando carinho dentro dos limites da lei, eu acho perfeitamente normal, quando o beijo não seja para agredir as pessoas e que seja natural. Espero que as pessoas se beijem mais, briguem menos, roubem menos e espanquem menos. Já estaria muito bom. 


04 -  Como você convive com as dissidências do movimento? 

Em qualquer movimento, em qualquer família, há divergências, há pontos de vista diferentes. O que precisa é dialogar muito, respeitar muito as opiniões das pessoas, e sempre procurar o que nos une e não o que nos separa. Tenho o maior prazer em coordenar aquelas assembleias onde tem muitas divergências, porque é ali que a gente cresce, caso contrário é ditadura, e ditadura não combina com democracia. E a democracia prevê os pontos de vista das pessoas que pensam diferentes, e é dialogando que se chega aos consensos. 

05 - Porque o movimento LGBT atacou tanto o Dourado do BBB, quando as mesmas coisas que ele falava os próprios gays da casa falavam também? Será que a postura saindo da boca de um "patrício" soa menos agressivo ?  

Primeiro, vejo que numa rede de televisão, num jornal, numa revista que tem grande audiência, falar desinformações, do tipo a AIDS só se pega por homossexuais, não pode passar incontestado. Também, falar que tem nojo de gay é homofobia, preconceito e insegurança de sua própria sexualidade. Quanto à fala dos gays, na informalidade, no dia a dia, muitas vezes brincam, mas isso não vai estar formando a opinião de ninguém. Creio que ser politicamente correto é uma questão de respeito às pessoas, acho que não é de bom tom usar palavras de baixo calão para se referir a qualquer pessoa. 
06. - Alguns movimentos LGBT´s tem mania de citar nomes de pessoas famosas como gays e sempre reclamam de pessoas da mídia que não se assumem. Sair do armário é obrigatório? Não seria cercear o direito de escolha de cada um? 

A minha opinião é que devemos respeitar a privacidade de todo mundo. Acho que ninguém pode obrigar ninguém a falar coisas de sua privacidade ou sobre o que acontece entre quatro paredes. A Constituição garante este direito. Porém, vejo que é fundamental que as pessoas se assumam. A pessoa que assume publicamente para si e para a família e os amigos é uma pessoa mais feliz porque está sendo verdadeira. Evita ser vítima de chantagem, vítima de assassinato. É muito importante assumir, mas ninguém deve ser obrigado e ninguém deve ser cerceado no seu direito de escolha. A liberdade é fundamental, mas assumir-se é bom para a saúde mental e é bom para a própria pessoa. 


07 -  - Intelectuais do movimento LGBT estão tentando a todo custo revelar heróis homossexuais na história. Porque esse interesse em tornar todo grande homem em gay agora? 

Vejo que ninguém deve ser tirado do armário e todos devem ser respeitados, como já falei. Porém, é muito importante para os jovens, os adolescentes gays, ter referências positivas de pessoas importantes que eram homossexuais e eram assumidas. A única referência de gay que eu tinha quando eu era adolescente era a Rogéria. Gosto muito dela, é uma grande atriz. Mas era a única referência que eu tinha e eu achava que tinha ser travesti como ela. Depois, fui percebendo que tinha outras pessoas assumidas que eram gays, e isso foi muito importante para minha formação.


08. Filho da puta, viado, corno, safado, são algumas das expressões mais populares que temos e as pessoas em geral não relaciona essas palavras com o seu significado mais intimo; porém, os gays acusam quem se expressa dessa forma de homofóbico. Você não acha um exagero?  

Acho que a cultura é adquirida. E se é adquirida, pode ser mudada. Acho que uma pessoa não deve chamar outra de filho da puta. Temos que ter respeito para as profissionais do sexo. Acho que ninguém deve chamar uma pessoa de viado, acho que cada um tem que seguir sua livre orientação sexual. A questão de chamar outra pessoa de corno, acho que cada um sabe na sua intimidade se vai ter relações complementares ou não. Enfim, o respeito é fundamental, ninguém deve agredir. Temos que lutar por uma cultura de paz em que as pessoas resolvem seus conflitos de forma muito racional e respeitando cada um, de forma a conviver em uma sociedade mais harmônica. 


09-  Gay não vota em gay, mas evangélicos e católicos conservadores votam nos seus pares. Isso é mito ou verdade?  

Vejo que ninguém deve votar em ninguém por uma questão de corporativismo. Tem gays em quem eu votaria, e outros em quem eu não votaria. Da mesma forma que eu votaria em alguns católicos ou evangélicos, e não votaria em outros. Para votar em uma pessoa, tem que conhecer a biografia dela, sua postura, o que fez e quais são suas propostas, independente de ser gay, evangélico, católico ou qualquer outra coisa. 

10. A militância, às vezes, causa a sensação de que existe patrulha da parte dos gays organizados e que o movimento quer transformar todo mundo em gay. É possível militar sem negar o direito de quem discorda?  

Creio que todo mundo deve se organizar e lutar pelas suas bandeiras. Ninguém deve impor agenda a ninguém. As pessoas devem ser respeitadas na sua essência, e ninguém deve negar à outra pessoa a possibilidade de ser o que é. Tem um lema: a finalidade da vida é a felicidade, e cada um sabe a dor e delícia de ser o que é.


11. Por que existe tanta dificuldade de juntar os homossexuais fora das grandes paradas ?  

Depende. Temos feito nossas assembleias, congressos e seminários sempre com um grande número de pessoas. Creio que quando um evento é bem convocado, tem uma pauta clara, é bem dirigido e articulado, sempre tem movimentos interessantes. O que não podemos fazer é sair e fazer protestos a todo custo sem uma grande articulação. Ninguém vence uma batalha sozinho, temos que ter um movimento por trás e não existem lideranças sem liderados. 

12. Está se iniciando as campanhas para Presidente da República. Como o movimento encara esse momento e quem já assumiu compromisso como as questões LGBT's?  

Hoje há em torno de dez candidatos à presidência da república. Entre os três principais, a Dilma já assumiu que é favorável à criminalização da homofobia, que é favorável à união estável e com certeza vai continuar o trabalho que o presidente Lula vem fazendo em prol de nossa comunidade, incluindo a primeira Conferência Nacional, o Plano Nacional, a Coordenação Nacional e o Conselho Nacional LGBT. José Serra já se pronunciou favorável à união estável entre pessoas do mesmo sexo e favorável à criminalização da homofobia, e também tem um histórico de políticas em prol da população LGBT no seu estado de São Paulo. Marina Silva já se colocou contra a homofobia e contra o preconceito. Não é favorável ao casamento, mas é favorável à união estável entre pessoas do mesmo sexo. 


 13- A ABGLT já encaminhou diversas notas de repúdio em inúmeros casos de declarações e atitudes que vocês consideram homofóbicas de diversos atores sociais. Você acredita que as retratações surtem efeito positivo no tocante ao respeito aos homossexuais?  

Não temos usado a palavra "repúdio", a não ser em um caso extremo. Temos feito cartas abertas, ofícios e notas específicas. Com certeza surtem efeito, tem alguns exemplos que acho fundamentais, inclusive o próprio presidente Lula há muito tempo atrás falou numa brincadeira, mas que saiu em cadeia nacional, que Pelotas era a capital exportadora de viados. Hoje é um grande aliado nosso, temos a maior admiração pela sua postura em relação à primeira Conferência Nacional LGBT, seu posicionamento sobre a homofobia e o preconceito. Tem o exemplo do ministro Carlos Lupi, que numa declaração infeliz falou que não era corrupto, não tinha amante e nunca tinha dormido com homem. Enviamos um ofício pedindo retratação, tivemos uma audiência e hoje é um grande aliado nosso na luta contra o preconceito. Paulinho da Força Sindical falou que antigamente a ecologia era coisa de viado. Novamente enviamos um ofício e hoje é outro aliado da causa e inclusive faz parte da Frente Parlamentar pela Cidadania LGBT. Tem vários outros exemplos de políticos neste sentido. Outro exemplo muito bacana é o Faustão. Antigamente, principalmente no vídeo cacetada, usava palavras de baixo calão para se referir a nossa comunidade ou a pessoas LGBT. Fizemos uma carta aberta e hoje trata nossa comunidade de uma forma muito elogiável no seu programa. 


14 -  Quais as principais reivindicações do movimento LGBT hoje?
Nossas grandes demandas no legislativo são a aprovação da criminalização da homofobia, a união estável entre pessoas do mesmo sexo e o nome social para as pessoas trans. No executivo queremos políticas públicas afirmativas e que diminuam a homofobia e o preconceito contra nossa comunidade. Queremos, além do Plano Nacional, a Coordenação e o Conselho Nacional LGBT, que também haja planos, coordenações e conselhos nos estados (alguns já tem) que fiscalizem e monitorem em todas as áreas sociais. No judiciário, queremos que as ações envolvendo questões LGBT sejam julgadas conforme os artigos 3º e 5º da Constituição Federal, que colocam que todos são iguais perante a lei, e que não haverá discriminação de qualquer natureza. 

15. Foi decretado pelo presidente Lula, na sexta-feira (04/06/2010), o Dia Nacional de Combate à Homofobia, que será comemorado a partir do ano que vem em 17 de maio. Qual a análise do governo deste presidente em relação às reivindicações do movimento LGBT?  

Primeiro eu diria que o presidente Lula é um grande estadista, a forma como ele tem atuado principalmente com as comunidades menos favorecidas. É um presidente que com suas políticas tirou 23 milhões de pessoas da pobreza, na área da educação promoveu o acesso de pessoas sem recursos e a população negra, que apoia a luta contra todas as formas de discriminação, além de vários outros projetos e programas sociais. É realmente um grande governante que merece toda a popularidade que hoje tem.


16. Nos últimos 20 anos, 3.296 membros da comunidade LGBT foram mortos no país, o equivalente a 164 casos por ano. Quais os principais tipos de crimes ocorridos e o que fazer para não se colocar nessas situações de risco?  

Geralmente esses casos têm requintes de crueldade e violência característicos da homofobia. No caso dos gays não assumidos, muitos dos assassinatos ocorre na própria casa da vítima, que se expõe ao perigo com pessoas estranhas e muitas vezes mal intencionadas, e talvez com homofobia internalizada, que acabam matando. No caso das travestis, que por não ter acesso à educação e ao mercado de trabalho, para algumas o único meio de sobrevivência que resta é a prostituição, que pode envolver problemas sociais como o tráfico de drogas e a criminalidade que fazem com que as pessoas corram riscos. Hoje dentro da Secretaria Nacional de Segurança Pública há um grupo de trabalho que está vendo propostas para a diminuição dos casos de assassinatos homofóbicos. 


17. Você e David Harrad são considerados o primeiro casal gay a registrar união no país e, que neste ano, completam 20 anos. Quais foram as maiores dificuldades para esse registro e o quais os direitos civis básicos de casados que ainda não estão desfrutando? 

Registramos uma declaração no cartório aqui em Curitiba, afirmando que vivemos uma relação estável e dizendo todo que queremos, para que em caso de morte o juiz julgue favorável ao sobrevivente, uma vez que pela lei atual os bens do falecido não passariam para o sobrevivente e sim para a família do falecido e é necessário entrar na justiça para garantir esse direito. Comparando um casal heterossexual com um casal homossexual, tem 78 direitos que nos são negados(http://www.abglt.org.br/port/78direitosnegados.php), entre eles nossa união não é reconhecida pela lei, não podemos adotar crianças em conjunto e não temos direito à herança. 


18. Por que alguns gays não respeitam a condição heterossexual dos outros dando em cima deles? Será que os heterossexuais precisariam que começar a lutar pelo direito de não sermos "atacados" por homossexuais? 

Eu pessoalmente como gay já fui cantado diversas vezes por heterossexuais de ambos os sexos. O que aprendi com meu irmão é simplesmente dizer a frase célebre "não é minha praia", independente de onde vem a cantada. Neste sentido, com certeza a pessoa vai se tocar. 



19. Você acredita em ex-gay e gay evangélico?  

Acredito que a sexualidade é um oceano. Algumas pessoas fazem dela um mar, outras uma lagoa ou apenas um aquário. A sexualidade tem todas as possibilidades. Muitas pessoas assumem mais categoricamente a identidade sexual, outras não, o que deve ser respeitado. Todo ser humano tem sua crença, sua forma de ver o transcendental, conheço gays evangélicos, gays católicos, gays ateus. Enfim, acho que cada um tem que procurar o melhor para sua vida.  


 20. Comente sobre:   

- Amor: é fundamental. É amando que a gente é amado.

- Musica: é fundamental para a paz de espírito

- Carlinhos Brown: um grande cantor, um exemplo de baianidade 

- Mídia: o quarto poder 

- Dilma: uma grande mulher que será a primeira mulher presidente do Brasil 

- Marina: uma batalhadora que venceu na vida

- Serra: um dos melhores ministros da saúde que já tivemos

- Bahia: um estado encantador, um estado da música

- Esquerda: pessoas que querem transformar uma realidade social para o melhor

- Direita: pessoas que querem permanecer com o status quo, onde as mudanças são muito mais difíceis

- Partido dos gays: sou contra, acho que os gays têm que estar em todos os partidos, da esquerda à direita. 

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