sexta-feira, 6 de maio de 2011

Com vocês, Luis Erlanger...

Luiz Erlanger, diretor de comunicação da maior empresa de comunicação do País . Aqui no Porradão de 20 , Erlanger fala sobre os evangélicos na mídiae na política , sobre negros na teve, e muito mais . Poderia falar muito sobre essa figura que transita nos bastidores de várias esferas do poder no Brasil, mas nada melhor do que ele mesmo falar por ele... Então desembucha homem de Deus!!!!!


01 - Fale um pouco da sua experiência profissional da sua trajetória até o momento.

Minha trajetória é curiosa porque foi, digamos, em linha reta (mas pulando de galho em galho...) dentro de uma mesma organização, o que é raro na profissão: comecei como estagiário no jornal O Globo e sai de lá como editor-chefe. Trabalhei na Editoria de Cidade – subi morro, fiz reportagem policial, desova na Baixada, carnaval, buraco de rua, incêndio, enchente, acidente de pedestre, de bicicleta, de carro, ônibus, de trem e de avião, exposição de arte, réveillon, floração no Jardim Botânico, filhote nascido no zoo, mortandade de peixe na Lagoa, ressaca na praia, essa rotina... - depois na Editoria de Política – cobri eleição de governador e presidente, fui setorista do Palácio do Planalto e Congresso, incluindo a reforma da Constituição de 88, pacotes econômicos daqueles e o impeachment do Collor. Também fui correspondente fora do Brasil em algumas reportagens específicas. Vim para a TV Globo em 95. Fiquei cinco anos no Jornalismo – onde também completei uma das lacunas da minha carreira (Esporte: tive a oportunidade de participar da cobertura da Copa do mundo na França) e estou há dez anos na área de Comunicação.  Como se brinca no meu ofício, sou mesmo um grande especialista em generalidades.  Mas gosto muito de não viver centrado num só tema.

02 - A globo vive sendo processada por vários seguimentos da sociedade,  como você vê essas acusações?

Não exagera Celso, quem nos processa são indivíduos e corporações. Não temos problema com a sociedade. Ou a gente não seria campeã de audiência. A melhor maneira de nos punir é trocando canal ou desligando a TV. Se isso não acontece é porque a maioria absoluta da população aprova o que fazemos. O que ocorre mesmo faz lembrar o que dizem que o Tom Jobim dizia: no Brasil, sucesso é ofensa pessoal...  E aí sempre surge alguém querendo tirar uma casquinha. A gente tem fama de canhão, mas na verdade somos a maior vidraça.

03 - Muitos consideram que a Globo manipula a massa, como você vê isso?

 Quem fala isso para atingir a Globo está na verdade sendo ofensivo com a população; ora!  Esse conceito de massa já é um troço elitista: imaginar que o povo é um elemento disforme, uma substância passiva, sem cara, sem vontade própria, sem capacidade de decisão. Que do outro lado da telinha só tem vaquinha-de-presépio, hipnotizada pelas mensagens que assiste, só dizendo “amém”. Fico imaginando qual o respeito que quem de fato pensa assim tem com a democracia. Se o cidadão, soberano com seu controle remoto na mão, não tem capacidade de ver televisão e decidir o que é bom para ele, imagina então o conceito que se faz do eleitor diante a urna eleitoral eletrônica – que não deixa de ser um controle remoto para indicar o futuro das cidades, dos estados, do país, do coletivo, do planeta.  Que diabo de tese é essa que finge reconhecer que o cidadão tem capacidade de votar, mas não é apto para assistir tevê? Isso é sempre discurso de quem se incomoda com a liberdade de expressão, mas não tem coragem de assumir.  Fico mesmo assustado com quem pensa assim e ainda tem coragem de dizer.

04 - A rede Record e o bispo Macedo têm feito criticas a rede globo, argumentam perseguição e que a globo esta fazendo isso com receio de perder a hegemonia na mídia.  Qual sua avaliação?

 Curioso, sempre associarem uma concessão pública no campo da comunicação social à uma expressão de um segmento religioso. Se você mesmo na sua pergunta junta um canal de tevê a um movimento religioso consta que alguma coisa de estranho tem aí...
Primeiro, são muito poderosos para fazerem o gênero perseguidos. Do ponto de vista de corporação é impressionante, porque não é apenas um significativo grupo de mídia associado a um movimento de cunho religioso. Tem também um braço político-partidário no momento governista.   Esse tripé, política-religião-comunicação, montado estruturadamente fica até estranho do ponto de vista do Estado laico, da diversidade. Nos países onde prevalece essa fórmula não há democracia plena e as denúncias graves que surgem a cada momento contra os líderes dessa corporação não partem da Globo, de acusações saídas daqui de dentro.   Como os demais veículos independentes, nós apenas reproduzimos as iniciativas da Justiça e da Polícia, ou mesmo de populares que se acham lesados ou vítimas de intolerância religiosa.  Na verdade, querem nos usar como escudo. A briga pela audiência se dá em outro campo. E neste, felizmente, vamos muito bem, obrigado, certamente porque nosso negócio é mesmo, de forma transparente, televisão.

05 - Outro argumento dos evangélicos é que a rede globo é ligada ou pelo menos da um espaço desproporcional à igreja católica.  Esse espaço é pelo fato de ser uma religião oficial no Brasil ou esse espaço não existe?

 Quais evangélicos? No todo trata-se de uma respeitada corrente religiosa, mas que abriga sob o mesmo nome segmentos bem distantes. Não existe "evangélico" como se fosse um genérico de uma mesma doutrina com os mesmíssimos princípios e premissas éticas semelhantes.
Há características básicas do protestantismo, assim como do catolicismo, mas devemos respeitar o que úne e o que separa cada corrente debaixo do mesmo guarda-chuva. O pessoal que inventa uma "guerra santa" é justamente o mesmíssimo que toda hora é acusado na Justiça de exploração da fé. Não é, nem de perto, a linha majoritária do evangelismo. Na hora em que são acusados de crimes comuns se protegem no manto da religiosidade. Logo esses, tão intolerantes. Agora, o espaço é mesmo proporcional, dentro do seguinte raciocínio:  como o catolicismo é dominante na nossa sociedade, o interesse público segue essa tendência e, por tabela, aparece mais na tevê. Mas, em nome da diversidade, mantemos no ar, em grade fixa, o programa Sagrado, em parceria com a Fundação Roberto Marinho, onde têm voz todas as religiões mais representativas no Brasil. Do ponto de vista até da audiência, nem nos interessa segmentar – em nada: queremos  ser ( e somos ) a televisão de todos.
E, depois que liberaram concessão de televisão todo mundo sabe quais são os canais oficiais de religiões. Nem tem sentido dizer que existe uma emissora particular ligada a tal fé. Existe canal oficial de igreja, outras compram horário – num modelo que bate de frente com a lógica da concessão. Eu acho errado, qualquer mistura de governo, Estado, poder público com religião. Por mim, nem deveria ter uma religião oficial no Brasil. Tem “Deus” na Constituição, crucifixo em Tribunal de Justiça. Todo mundo deve ter direito a escolher uma religião (ou mesmo ser ateu), sem intolerância.
Mas o Estado não pode ter essa ligação, não pode assumir uma linha, mesmo que sendo a esmagadora maioria. Democracia a gente sempre diz que é o regime da maioria, mas a base dela é justamente o respeito às minorias. Ao indivíduo.
Os direitos fundamentais são do indivíduo. O coletivo existe para, de uma maneira mais igualitária possível, assegurar o bem-estar de cada pessoa. Usando como exemplo o que acontece por aí,  imagina como vai ficar o país se um grupo que já ataca as religiões afro-descendentes e chuta imagem de santa chegar mesmo ao poder?

06 - As famílias Color de Mello e ACM fazem parte do grupo de afiliadas da rede globo em seus respectivos estados, no entanto nos últimos tempos, representantes dessas famílias foram alvo da mídia em geral, no caso mais recente, do José Sarney (afiliada do Maranhão) sofreu linchamento público e de certa maneira engrossado pela globo. Como fica a relação com essas afiliadas depois desses episódios?

Para uma concessionária legalmente estabelecida ser nossa afiliada é preciso assinar, entre outras exigências, o compromisso com nossa linha editorial, que é de independência e isenção.   Os exemplos que você citou foram abordados livremente na Rede Globo, logo isso está funcionando naturalmente.   Eu não tenho registro de nenhum impasse neste campo. Com a explosão dos meios de comunicação, é até burrice tentar varrer sujeira para debaixo de tapete.

07 - Em cada eleição as ruas afirmam que a rede globo está apoiando algum candidato, esse ano dizem que a globo está apoiando o Serra. Isso é verdade?

 Espero que um dia a democracia no Brasil chegue a um nível que veículo de comunicação, de qualquer categoria, possa apoiar formalmente, oficialmente, candidaturas.   Publicando em editorial quais os caminhos que tem a ver com suas crenças.  Isso acontece com freqüência noutros países.  Nesta situação vão ter que ser ainda mais cautelosos no noticiário, vai ficar todo mundo, marcando em cima, para ver se não estão puxando a brasa para a sua sardinha. Agora, digamos que assumam um noticiário desequilibrado: o cidadão que não se identifica não só não vota no favorecido como descarta o veículo de comunicação.   É a mesma história, caramba: democracia que não se baseia na capacidade de escolha do cidadão não é democracia.  Quanto à sua pergunta concreta, mesmo que houvesse essa intenção seria impossível com tanta patrulha. Agora mesmo tiramos do ar uma inocente campanha de aniversário, criada no ano passado, quando nem havia candidatos oficiais, justamente para não botarem chifre em cabeça de cavalo. Para alguns políticos, demonizar a Globo é uma desculpa esfarrapada para justificar fracasso. Basta olhar o cenário político para verificar que não só existe alternância no poder e com uma variação ideológica que nada tem a ver com o perfil que é atribuído à Globo. Dizer que televisão manipula eleição, aí sim é chamar o povo de bobo.

08 - Existe alguma orientação da Globo nesse sentido?  Pergunto isso porque conheço alguns  parlamentares  que são funcionário da emissora. Como vocês lidam com essa situação?

Executivo nosso acumulando carreira política simplesmente não existe.  Pelas normas da TV Globo, até o acionista que legitimamente resolver seguir carreira pública vai ter que se afastar – para valer – da gestão da empresa. O que pode acontecer é um outro artista que aqui trabalha também ter essa militância. Como não tem poder de decisão alguma aqui dentro, não é problema. Mas nossa preocupação é tamanha que em ano de eleição a gente faz uma consulta para saber se tem alguém interessado em se candidatar ou mesmo fazer campanha, direitos de qualquer cidadão. Quem assim decide é imediatamente liberado, mas sabendo que vai ficar fora do ar durante todo o processo eleitoral. Mudamos escalação de elenco em novela, em programas, se for esse o caso. O que não pode é misturar a imagem do palanque, da propaganda eleitoral, com a que vai ao ar na nossa grade.

09 - Você acredita que a televisão brasileira cumpre seu papel social?

 Mas qual é o papel social da televisão? Existem três modelo de concessão de radiodifusão no país: Estatal - como a TV Brasil; Pública - como os canais culturais - como a Educativa; Privada - o nosso caso. Os dois primeiros modelos devem funcionar dentro da lógica do interesse público. E isso está longe de significar uma televisão cara bancada por imposto, chata e sem audiência. Em muitos países capitalistas os líderes de público são os canais públicos. O terceiro modelo, o nosso, é um empreendimento privado como todos os demais que montam o sistema capitalista do mercado que a nossa democracia escolheu. Pelo contrato, temos uma série de obrigações como contrapartida, mas entregamos muito mais do que o exigido. Isso se dá porque está no DNA da nossa empresa o social, vivemos de comunicação social. Também como negócio, quanto mais justa e equilibrada a nossa sociedade, melhor.
Vale explicar: não somos concessão porque lidamos com comunicação. Jornal, por exemplo, não é. Internet também não. A questão é que nosso sinal ainda trafega em área pública - no caso o ar, o céu que é de todos - e é preciso organizar o uso, Igualzinho a ônibus que circula em via pública. Nem por isso determinam a cor do veículo nem mandam o motorista cantar o hino nacional em cada ponto.

10 - De que forma se dão as concessões de televisão no Brasil? Você acha justo esse modelo?

O Brasil é provavelmente um dos países com a maior oferta neste campo. Tem, como vimos, estatal, pública, privada das mais diversas matrizes, até religiosas. Dos Três Poderes. Com a crescente democratização da comunicação com as acessíveis plataformas eletrônicas, portabilidade, mídias sociais, isso vai perdendo importância. Temos hoje, regras muito exigentes que passam pela fiscalização do Legislativo, Judiciário e Executivo, basta zelar por elas. O risco mesmo para o Brasil é que enquanto o capital nacional é todo controlado na radiodifusão, as verdadeiramente, poderosas empresas de telecomunicação (telefonia) estrangeiras estão invadindo essa área sem cerimônia e controle algum. Aí que a identidade cultural brasileira vai para o espaço. Estranho que as entidades e políticos que vivem paranóicos com os veículos brasileiros vejam essa ameaça ao interesse nacional até com simpatia. Por que será?

11 - A globo é parceira de varias organizações do movimento social, inclusive de favelas como a CUFA. Isso pode ser entendido como cooptação social?

Essa você responde Celso? A CUFA já foi abduzida pela Globo? Qual foi seu preço? Espaço no vídeo para divulgar seu trabalho ou o lanchinho que oferecemos para os alunos das oficinas de audiovisual - como até chegaram a insinuar uma vez? Baratos, heim? Só se pode comprar algo que esteja à venda, de novo uma lógica ofensiva, ora. E a gente não sai fechando parceira com todo mundo. Avaliamos a legitimidade, a pluralidade e se a causa é defendida dentro do respeito à lei.
Não resisto, já que estamos conversando sobre imagem: quando nos aproximamos da CUFA, ela era acusada de fazer o jogo do tráfico contra a polícia.  O Bill estava levando uma dura.
Nós entendemos o discurso e botamos a mão no fogo, na absoluta contramão do pensamento dominante. Aliás, vocês ainda estão longe da unanimidade. Ainda bem. Aposto que foi bom para as duas instituições. Ninguém cedeu nas suas diferenças, mas avançamos em torno de crença comum.  Gol de placa para a democracia.

12 - Você acha que falta ampliar o debate sobre as cotas no Brasil e você acha a emissora engessada no tocante a participação de negros ?

A Globo junto com a Fundação Roberto Marinho desenvolvem com os governos um importante projeto - A Cor da Cultura - que sinaliza o que pregamos para uma democracia racial plena. Ela só será verdadeira e duradoura se surgir da educação e da inclusão social SEM levar em conta a pele da pessoa. Após o regime nazista, depois do Tribunal de Nuremberg, quando a humanidade, primeiro deixou prosperar seu maior massacre racial e resolveu expurgá-lo, o Direito Universal ligado aos direitos dos homens consagrou que é nociva qualquer legislação baseada em etnia, na cor de pele.
Mesmo que exista para o bem é o mesmo que consagrar um mecanismo que pode ser usado na outra direção. Se todos são iguais perante a lei, índice de cor não pode ser critério. Não vamos resolver erros do passado usando a mesma fórmula, e não se trata aqui de defender posição editorial do grupo em que trabalho. Como descendente de ancestrais judeus do lado paterno e portugueses e espanhóis pelo lado materno, mais uma pitada de 3 % de origem africana (sabe-se lá vinda de onde, mas comprovada no meu exame genético de ancestralidade), acho que existe ações afirmativas que seguem por caminhos bem mais saudáveis e verdadeiramente igualitários. Não é a igualdade que queremos?  
Quando se fala a Globo isso e aquilo parece que há um comando único tomando as decisões. Como se houvesse diretrizes centrais sobre abordagem de temas. Maluquice! A escalação de elenco é da livre escolha de dezenas de autores e diretores responsáveis por outras dezenas de programas. Eu acho que, de fato, nós reproduzimos na ficção algum desequilíbrio. Mas fruto do mesmo desequilíbrio ainda existente na realidade. Ficar patrulhando televisão é escapismo. É culpar a janela pela paisagem.

13 - Se a televisão influencia tanto as populações, você concorda que podemos equilibrar os fatos através da ficção, assim como as próprias campanhas da emissora?

Um líder comunitário insistindo na tese que os cidadãos são manipuláveis!!! Como é o processo de escolha do secretário-geral da Cufa? É com campanha eleitoral? Mensagem subliminar? Informação distorcida? Por que para uns processos o cidadão é o senhor do seu livre-arbítrio e em outras situações é um mané? Nessa a gente vai bater de frente total... Desde quando ficção existe para equilibrar fatos? É o irreal, o imaginário, sem compromisso algum com a realidade. Pode até ter base no real, claro, mas é exatamente o que nos tira do pão-pão-queijo-queijo. É uma válvula de escape. Ao mesmo tempo, nos faz refletir sem amarras. Pode ter algo mais instrutivo do que uma manifestação artística politicamente incorreta? No humor, então, nem se fala. Quando o Zorra Total, Casseta ou Chaplin esculacham preto, judeu, mulher, homossexual, pobre, gordo, feio, deficiente físico, etc, estão explicitando um sentimento latente de muitíssima gente. Quando se ri de algo "condenável" é uma atitude positiva, o Freud tem uma análise definitiva a respeito. O resultado pode ser a gargalhada, mas como efeito de uma mola que disparou. Do contrário ficaria quieto dentro da pessoa, acumulando e até poderia aparecer de outro modo.Tem até o tal "riso nervoso" A coisa mais comum e aceitável são os grupos fazendo piadas internamente. Negro pode zoar negro, judeu tem direito de avacalhar patrício, mas deixa um de fora tirar uma casquinha... Preconceituoso! Se não incomodar não tem graça. Uma pessoa normal andando na rua não provoca reação alguma. Aí ela se estabaca no chão e dá vontade de rir. Pode ter quebrado a bacia e vai ficar paralítica. Mas tombo é engraçado, fazer o quê? Censurar?  Proibir?  Porque proíbem - está na lei e ninguém reage - sátira política na TV durante campanha eleitoral?  Sabia que nossos programas de humor são proibidos de brincar com os candidatos? Absurdo! O politicamente correto deveria valer é para a política. O resto é cerceamento à liberdade de expressão.

14 - Esquecendo o passado e focando no presente, e claro, pensando na igualdade que queremos, e sabendo da desigualdade que vivemos. Enquanto a educação não é igual para todos, os afrodecendentes devem fazer o que?

 Ué, lutar por uma educação decente para todos! O grande problema do Brasil é educacional. E o mais grave é que nem a elite escapa disso. Filho de bacana fica na escola particular uma merreca de quatro horas por dia!!! Claro que, no caso de quem tem recurso, matricula os filhotes em aula particular de natação, de inglês, de judô, de informática. O filho de quem não tem essa possibilidade fica preso sozinho em casa em frente de televisão. Aí o mesmo governo que não garante o ensino integral acha um absurdo essa situação – que ele cria... – e inventa a classificação indicativa, censura televisão (um absurdo inconstitucional, nada justifica cerceamento à liberdade artística ou de expressão).
Pode soar estranho eu falar de televisão mas não há contradição alguma:  criança não pode ter atividade alguma sem o acompanhamento de um responsável. Ver televisão, ler livro,  ficar no computador, o que for, tem que ter supervisão adequada. E lugar de criança é mesmo numa escola. Com ensino, espaço para lazer, esporte, merenda decente.  Nem estou defendendo internato. Minha geração ficava na escola pública (onde estudei) das 8 às 17 horas.  E a gente adorava. Sem fugir da sua cobrança sobre qual a solução ligada à questão social: mais uma vez não prego uma solução com um viés étnico: um ensino universal qualificado para todos. A redenção da escola pública no Brasil será também a nossa redenção social, com certeza. Noutro dia vi um levantamento que mostrava que uma quantidade enorme de pais não tinha a mesma quantidade de estudo que seus filhos ainda no ensino fundamental. Isso é um desastre ainda maior, porque quem não teve ensino muitas vezes nem entende de verdade o valor dessa formação educacional. Então é brigar pela boa escola pública. Um bom passo é votar sempre em políticos sérios identificados com essa causa.

15  -  Houve um momento em que a globo teve 90% da audiência no Brasil,  hoje os números são muito diferentes e a concorrência é mais agressiva,  qual é a tendência e como a globo se prepara?

Esses números que você cita são de outra época do mundo, do Brasil, e o que mais importa, resultantes de outros sistemas de medição de audiência. Hoje se mede diferente, não se pode comparar. Hoje tem mais disputa, realmente, mas os critérios sobre audiência são muito mais rigorosos quanto à liderança. De qualquer forma, nossos números se mantém estáveis nos últimos cinco anos, período de explosão das novas mídias. Mas estamos nos preparando para avançarmos nesta nova era. Nossos conteúdos estarão disponíveis quando e como o usuário quiser. Não é ameaça, é oportunidade. Além da televisão que a maioria tanto ama a Globo estará cada vez mais nos portáteis, internet e suas variações, nos carros, ônibus, trem, avião... O nosso slogan é " a gente se vê por aqui" A pessoa vai escolher também o "aqui" Em vez de perder, vamos ganhar um público não disponível na frente do vídeo em casa. Existe uma frase famosa que diz “padrão globo de qualidade”, o que significa isso na pratica? A noção de qualidade varia de acordo com o gosto do freguês. Mas o nosso genérico seria reunir o melhor do talento da nossa diversa área de atuação - criadores, autores, artistas, jornalistas, técnicos, diretores, executivos - para produzir com dedicação e respeito conteúdo de entretenimento e jornalismo que fala com a alma do brasileiro. E apostar sempre que ainda dá para fazer melhor.

16  - Como seria se o Brasil tivesse outras TVs tão fortes como a TV Globo?

Em comunicação força se mede pela resposta do público. Quantas vezes uma produção modesta dá um chocolate em atração milionária? Logo, no nosso ramo a força vem da aposta no talento e não no patrimônio material. A pergunta que eu faria era no caminho oposto: como estaria o Brasil se não houvesse uma Globo como ela é? Mais feliz ou menos feliz? Mais ou menos unido? A identidade brasileira mais ou menos forte?

17 - Algumas pesquisas apontam que a rede globo é um dos grandes símbolos do Rio de Janeiro, você acha que os cariocas deveriam perceber isso com mais atenção?  Você acha que os paulistas teriam outro comportamento em relação a globo se ela fosse uma emissora da terra da garoa?

 A mídia paulista é mal resolvida com o Rio. Só mostra violência e seqüestro aqui.  Lá é um paraíso. Quando é para pegar no pé a gente vira “a emissora carioca”. Parece despeito. Mas seria bom que nós cariocas fôssemos mais bairristas como os paulistas. Agora, não vou fazer aqui um charme com a minha cidade. A Rede Globo, mesmo a TV Globo, não é uma empresa local.  Sem contar com as afiliadas, temos Globo, além de Rio e São Paulo, em Recife, Belo Horizonte e Brasília. O nosso nome já diz "rede". Mas é óbvio que isso não significa uma desatenção com a terra onde nascemos e crescemos, por isso mesmo, consolidamos a Globo Rio. Está, sim, é a cara do Rio, “carioca como você”. Preocupada com o nosso quintal, nossa gente.  É para servir a comunidade do Rio de Janeiro - também com suas diversidades e desequilíbrios. Fizemos uma pesquisa e deu um resultado curioso. Mesmo o sujeito que nasceu/mora fora da cidade do Rio, da capital, da antiga Guanabara, se diz “carioca”.
Ser carioca acaba sendo mesmo um estado de espírito. Talvez também porque a nação rubro-negra não queira ser chamada de “fluminense”...

18 -  O que você acha sobre as remoções das favelas?

A expressão remoção já tem um componente negativo.  Remover passa a idéia de um objeto levado a outro lugar, tem peso negativo. Uma vez que há necessidade, as famílias deveriam ser REMANEJADAS  - prefiro essa palavra, que para mim indica mais um ação cuidadosa, respeitosa - para moradias dignas e com, necessariamente, bons serviços públicos.  Ressalto a necessidade do poder público eficiente, até porque acho que a formação de favela, de construção ilegal não se dá por falta de terra. Tem muita terra disponível fora dos centros urbanos. Mas, como não há transporte coletivo que preste, ou se arruma o que der perto das fontes de trabalho ou a pessoa vai ter que acordar de madrugada para chegar no trabalho no horário. Mas há duas situações que considero inaceitáveis: famílias morando em situação precária, sem urbanismo, em região de risco e construções feitas às custas da degradação do meio-ambiente . Esse não é um binômio elitista porque deve ser aplicado para pobre o para rico, ora, mas me deixa voltar num ponto, mesmo em favela, comunidade, sei lá qual o nome perfumado da vez, nada é de graça.  Construir ou comprar barraco por incrível que pareça não é para qualquer um. Com certeza a família preferiria morar num lugar mais confortável, bonito, limpinho, arrumado, desde que pudesse chegar de forma rápida, barata e decente no serviço, na escola, etc. O problema mesmo é o nosso péssimo transporte coletivo.  O metrô de Buenos Aires é de 1920. O nosso parece que só vai ligar a Zona Sul à entradinha da Barra na Copa de 2014... E é o circuito VIP da cidade. Zona Oeste, subúrbios, Baixada, do outro lado da ponte Rio-Niterói não vou nem comentar. Parece problema de moradia, mas é mais de transporte.

19 - Qual sua avaliação das Unidades Pacificadoras nas favelas do Rio?

Caramba, essa entrevista não acaba? Pô, Celso, não tem outra coisa produtiva para fazer? Vamos lá, tentando ser curto e objetivo: Não considero a situação ideal - pessoas morando em lugares e situação regulares - mas diante da negligência e populismo das autoridades no passado é o avanço possível. Desde que sejam permanentes e acompanhadas de bons serviços públicos igualmente permanentes.

20 – Fale um pouco sobre:

Escola de samba
Não sou fanático, porque torço sempre para a que acho que fez o melhor desfile, mas gosto da verde-rosa.

Time de futebol
Aí é diferente: Mengão sempre, até contra a seleção brasileira. OK, empate está bom neste caso.

Roberto Marinho
Um privilégio ter convivido profissionalmente. Um visionário, construtor de sonhos, levando uma multidão de pessoas junto. Absolutamente vidrado no Brasil e nos brasileiros.  Um chefe que num vi subindo o tom da voz, um líder instigante e atencioso.  Não só o público, mas as milhares de pessoas que empregou, número que se multiplica depois de sua morte. O que dizer de um homem realizado que aos 60 e tantos anos, quando se pensa em aposentar, joga tudo no desafio de criar uma televisão? E não foi agorinha: em 1965, numa aventura que foi chamada de loucura. Você pode divergir do pensamento dele, mas nem o mais radical adversário vai deixar de reconhecer que o legado dele para o país é fundamental para a preservação da identidade brasileira.

Música
Salada de frutas: em quase todos os gêneros têm coisa que eu gosto outras que acho insuportável. Da ópera ao eletrônico. Mas acho que os campeões na minha parada de sucesso são The Beatles, até pela diversidade deles mesmo - para qualquer momento da sua vida, qualquer astral há um "beatles" sob medida.

Livro
Pequeno Príncipe - estou citando só porque as patrulhas avacalham. É ótimo, mas não está na minha estante. O livro que mais reli foi "Jean Christophe" do francês Romain Rolland, Nobel de Literatura. É uma cacetada de muitos volumes, a biografia imaginária de um gênio da música, do nascimento à morte. É a história central, mas é sobre o nosso mundo, nossa cultura, os homens, a vida. Taí, vou ler de novo.

Comida
Bife à milanesa, gotinhas de limão, com batata frita, arroz e feijão misturados feito virar massa de cimento e areia. Já me deu fome.

Saudade
Dos meus cabelos e do meu pai. Não necessariamente nesta ordem.

Família
A razão de existir, da Bíblia a Darwin. É rara entidade que nos faz preservar o bom do instinto animal.

Dinheiro
Não é tudo, mas é 100%...Sem culpa, quando fruto de trabalho honesto. Não em si, como doença de alguns, mas pelo o que ele compra. Inclusão social é ter possibilidade de consumir.  Isso só é viável com grana.

Movimento Social
Sinal que os governos não estão dando conta.  Por isso me espanta quando viram linha auxiliar de governo.  Uma coisa é parceria, outra é tutela.

Movimento Negro
Como qualquer segmento étnico só tem sentido se operar no campo cultural. E por aí contribuir para a igualdade social. Como ação social ou política isolada - como da indígena, outra vertente racial ainda mais massacrada -  não soma, divide.  Ou vejamos por outro lado: é tanta etnia e categoria que legitimamente que fazer valer os seus direitos que já existe um genérico - TODOS são iguais perante a Lei. Não precisa fatiar. É tudo junto e misturado.

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